São Paulo — Cercada por montanhas e colada ao Oceano Pacífico, a província de Fujian, no sudeste da China, é uma das mais populosas da superpotência asiática. O território ficou conhecido por autoridades policiais ao redor do mundo por exportar gangues violentas que aterrorizam seus próprios compatriotas nos países onde vivem.
Leia o 1º capítulo da série especial do Metrópoles: Máfia chinesa expande atuação em SP, com extorsões, tráfico e arsenal
Gangsters fujianeses já se instalaram em quatro continentes. Em pelo menos 21 países, as chamadas Fuk Ching — nome que se traduz como “Jovens de Fujian” — implementaram uma rotina de crimes que vão de extorsão a tráfico humano, passando por homicídios, tráfico de drogas, de armas e de animais silvestres.
Reprodução/Google
O Metrópoles localizou na imprensa internacional registros de gangues de Fujian na África do Sul, Austrália, Espanha, Estados Unidos, Itália e Singapura, por exemplo, além de diversos países latino-americanos, como Argentina, Colômbia e México.
No Brasil, essa ramificação da máfia chinesa se estabeleceu no centro de São Paulo, onde aterroriza comerciantes do Brás e da 25 de Março, as duas principais regiões de comércio popular da cidade, onde predominam os produtos chineses. O braço atuante das gangues de Fujian na capital paulista é conhecido como Grupo Bitong, liderado pelo mafioso Liu Bitong até ele ser preso pela Polícia Federal (PF) em dezembro passado, em Roraima, na fronteira com a Venezuela.
Segundo autoridades dos Estados Unidos, os gangsters de Fujian, chamados também de Fukienese Flying Dragons, se instalaram naquele país ainda na década de 1980 e são considerados uma das gangues “mais poderosas e ativas internacionalmente”. Atualmente, a maioria de seus integrantes é de jovens de 20 e poucos anos que entraram ilegalmente no país. Em alguns casos, eles pediram asilo político para permanecer em território americano.
O jornal The New York Times já destacou como um dos trunfos do grupo o idioma “ininteligível para a maioria dos outros chineses e, claro, para a polícia”. Em Fujian, são faladas as línguas Min e o idioma Gan, diferentes do mandarim, idioma que prevalece na China.
Eles têm uma hierarquia rígida, com títulos tradicionais, além de regras implacáveis, que proíbem o uso de drogas, exigem respeito ao líder da quadrilha e incentivam agressões a gangues rivais. Registros do início dos 2000 mostram que o foco do grupo era, principalmente, os imigrantes chineses ilegais, que eram sequestrados e extorquidos após terem sido contrabandeados pela Fuk Ching para os EUA.
Lá, assim como no Brasil, a quadrilha controla atividades de extorsão e cobrança de “proteção” em bairros específicos da Chinatown nova-iorquina. As principais vítimas são os comerciantes chineses, donos de lojas, restaurantes e outros estabelecimentos. Quem se recusa a pagar sofre ameaças, agressões ou tem seus negócios atacados. No território, os gangsters também estão envolvidos com operação de casas de jogos ilegais, sequestros e tráfico humano.
Segundo investigações, a quadrilha de Fuk Ching auxiliava na entrada ilegal de imigrantes chineses nos EUA, cobrando de 30 mil a 50 mil dólares por pessoa. Aqueles que não conseguiam pagar eram escravizados ou mortos. Antes disso, seus familiares na China eram extorquidos. A maior parte desses imigrantes veio justamente da província de Fujian.
Ainda na década de 1990, a Fuk Ching foi alvo de uma investigação que resultou em 20 réus acusados de homicídio – todos se declararam culpados. Apesar disso, a gangue continuava ativa quase 15 anos depois, segundo o FBI, o Departamento Federal de Investigação dos EUA. Anos mais tarde, as gangues chinesas ingressaram em outras modalidades de crime no território, como cultivo e tráfico de maconha em pequenas cidades dos EUA, explorando trabalhadores chineses.

Crimes ao redor do mundo
A Austrália é outro destino comum entre chineses saídos de Fujian que estavam imigrando de forma ilegal na primeira década dos anos 2000. À época, a imprensa australiana chamou de “ameaça regional” a presença das gangues chinesas no Pacífico. Naquele período, milhares de chineses tentaram entrar no país por meio de golpes de imigração organizados por gangues transnacionais.
Esses grupos, segundo a imprensa local, estão “no centro de um crescente ‘policrime’ envolvendo extorsão, lavagem de dinheiro, jogo ilegal, prostituição e até mesmo a pilhagem de oceanos e florestas”. Autoridades australianas atribuíram às gangues ao menos um homicídio, um sequestro, um tiroteio e um esfaqueamento ocorridos em 2008.
Em fevereiro de 2023, a Polícia Federal Australiana acusou nove pessoas de envolvimento com um esquema de lavagem de dinheiro que movimentou cerca de 10 bilhões de dólares para fora da Austrália. Dois dos suspeitos acusados são supostos gângsteres sino-australianos de Sydney, com uma fortuna pessoal combinada estimada em mais de 1 bilhão de dólares.
Na Itália, a polícia de Prato, comuna italiana na região da Toscana, apelidou Fujian de “Calábria da China”, em referência à região da Itália dominada por mafiosos e berço da poderosa ‘Ndrangheta. Um duplo assassinato em junho de 2010 chamou a atenção dos policiais para o que mais tarde se mostraria a infiltração de gangues fujianesas na região.
No país europeu, gangsters provenientes de Fujian estariam atuando com extorsão, jogos, contrabando, prostituição e tráfico de drogas. A imprensa local indicou uma forte conexão entre os mafiosos que estão atuando fora da China e o governo de Pequim, que daria proteção a esses criminosos.
Além de atravessar oceanos com suas práticas criminosas, as gangues de Fujian também se instalaram em países asiáticos, faturando quantias volumosas. Em 15 de agosto de 2023, policiais de Singapura prenderam 10 pessoas ligadas ao maior esquema de lavagem de dinheiro do país, que movimentou 2,2 bilhões de dólares por meio de golpes e jogos de azar. Todos os suspeitos são naturais da província chinesa.
Em junho do ano passado, a polícia local disse que, além dos 10 suspeitos presos, outras 17 pessoas estavam sob investigação – duas delas estavam na Difusão Vermelha da Interpol. Em Singapura, os gangsters agiam como empresários de elite, usando lojas de fachada, apostas em cassinos e compra e venda de imóveis para lavar dinheiro e viverem uma rotina de luxo, levando chefs de cozinha e cantores de sua província para trabalharem em suas casas.
Na América do Sul, gangues de Fujian atuam no tráfico de animais selvagens, como na Bolívia, Colômbia e Peru, e com cassinos ilegais, na Argentina, onde a prática de extorsão também fez várias vítimas no comércio de Buenos Aires, Mar del Plata e Mendoza. A imprensa argentina atribui ao menos 31 assassinatos à máfia chinesa entre 2009 e 2014.
Pressão contra as gangues
Na China, a Justiça está sendo cobrada pela população local a solucionar o problema das gangues. Localmente, promotores de todo o país são incitados a punir os grupos criminosos. O país chegou a lançar, em 2018, uma campanha especial contra o crime organizado. A ação tinha o prazo inicial de três anos, mas se estende até os dias de hoje.
Em julho do ano passado, o ministro da Segurança Pública, Wang Xiaohong, pediu às autoridades que “impulsionem vigorosamente a luta regular contra o crime organizado e as forças do mal”, e que mantenham uma “determinação inabalável” no combate às gangues.
Fonte: Metrópoles